Annita Catarina Malfatti
(São Paulo, SP, 1889 - São Paulo, SP, 1964) Pintora, desenhista, gravadora, ilustradora e professora.
Obras apresentadas no Salão de 31:
CT 56 Puritas
CT 57 O Homem Amarelo
CT 58 Estudante Russa
CT 59 Natureza Morta
CT60 Torrando Café
CT61 Interior
CT62 A Boneca


Comprovante de inscrição e devolução das obras de Annita Malfatti apresentadas na 38ª Exposição Geral de Belas-Artes

Ordem de pagamento de passagem de ida e volta de Annita Malfatti a São Paulo
Annita Malfatti não era um produto espontâneo. Ela estudou, ela veio da Europa, trouxe de lá aquilo, depois se fixou em São Paulo, depois veio para o Rio. Aqui chamavam-na de Annita Mal Feita. [13]
Annita Malfatti foi a pioneira do modernismo. Talvez por isso tenha sofrido, em 1917, a crítica arrasadora de Monteiro Lobato:
Essa artista possui um talento vigoroso, fora do comum. Poucas vezes, através de uma obra torcida para má direção, se notam tantas e tão preciosas qualidades latentes. Percebe-se de qualquer daqueles quadrinhos como a sua autora é independente, como é original, como é inventiva, em que alto grau possui um sem-número de qualidades inatas e adquiridas das mais fecundas para construir uma sólida individualidade artística. Entretanto, seduzida pelas teorias do que ela chama arte moderna, penetrou nos domínios dum impressionismo discutibilíssimo, e põe todo o seu talento a serviço duma nova espécie de caricatura.
Sejamos sinceros: futurismo, cubismo, impressionismo e tutti quanti não passam de outros tantos ramos da arte caricatural. É a extensão da caricatura a regiões onde não havia até agora penetrado. Caricatura da cor, caricatura da forma - caricatura que não visa, como a primitiva, ressaltar uma idéia cômica, mas sim desnortear, aparvalhar o espectador. A fisionomia de quem sai de uma dessas exposições é das mais sugestivas. Nenhuma impressão de prazer, ou de beleza, denunciam as caras; em todas, porém, se lê o desapontamento de quem está incerto, duvidoso de si próprio e dos outros, incapaz de raciocinar, e muito desconfiado de que o mistificam habilmente. [14]
Mário de Andrade, pelo contrário, vê nas obras de Malfatti um sinal de novos tempos, e fala em nome de si próprio e de outros intelectuais modernistas:
(...) a convicção de uma arte nova, de um espírito novo, desde pelo menos seis anos viera se definindo no... sentimento de um grupinho de intelectuais paulistas. De primeiro foi um fenômeno estritamente sentimental, uma intuição divinatória, um... estado de poesia. Com efeito, educados na plástica “histórica”, sabendo quando muito da existência dos impressionistas principais, ignorando Cézanne, o que nos levou a aderir incondicionalmente à exposição de Anita Malfatti, que em plena guerra vinha nos mostrar quadros expressionistas e cubistas? Parece absurdo, mas aqueles quadros foram a revelação. E ilhados na enchente de escândalo que tomara a cidade, nós, três ou quatro, delirávamos de êxtase diante de quadros que se chamavam o “Homem Amarelo”, a “Estudante Russa”, a “Mulher de Cabelos Verdes”. E a esse mesmo “Homem Amarelo” de formas tão inéditas então, eu dedicava um soneto de forma parnasianíssima... Éramos assim. [15]
Anos mais tarde, às vésperas do advento do Salão de 31, Annita Malfatti foi convidada, juntamente com Manuel Bandeira, para integrar a sua Comissão Organizadora.
No entanto, a contribuição de Annita ao Salão foi, na opinião de críticos da época, um tanto controversa. De início, foi chamada carinhosamente de “tenenta” por Manuel Bandeira, em seu artigo Salão dos Tenentes. Bandeira utilizou esse termo porque um noticiarista da época lançou, em artigo [16] escrito no próprio dia de abertura da Exposição, a expressão “Salão dos Tenentes” ao se referir ao 38º Salão, fazendo uma piada (de mau gosto, na opinião de Manuel Bandeira) em relação ao papel dos tenentes na recém ocorrida Revolução de 30. Segundo o noticiarista, não identificado no artigo de Bandeira [17], os generais seriam os artistas “da velha guarda” e, os tenentes, os modernistas.
O apoio de Manuel Bandeira a Annita Malfatti fica evidente nesse trecho:
É-me grato constatar que o sucesso do "Salão" contou com um elemento decisivo na contribuição paulista. Lucio Costa compreendeu desde o primeiro momento que em matéria de boa diretriz artística São Paulo é quase todo o Brasil. Foi de São Paulo que partiu o movimento moderno. (...) A escolha de Annita Malfatti para o júri de admissão completou a feliz ideia do diretor da Escola de Belas-Artes. Se de São Paulo veio a renovação para todo o Brasil, foi por Annita que veio a renovação para São Paulo. Annita não só trouxe a sua valiosa contribuição pessoal, cinco quadros de várias épocas, como conseguiu, ajudada pelo casal Warchavchik, reunir um grupo de obras que por si sós salvariam o "Salão". Assim, pela primeira vez o público carioca teve ocasião de conhecer a força da própria Annita, de Brecheret, de Gobbis, de Warchavchik. [18]
Já Tina Canabrava, ao avaliar as sete obras que Annita expôs no Salão, não considerou que a artista tenha trazido nada de novo:
Annita Malfatti não corresponde de maneira alguma ao nome que tem; excetuando-se O homem amarelo, Estudante russa e A boneca, trabalhos passáveis, e ao que parece, já antigos, os demais envios são fraquíssimos, sem a mínima substância e sem a menor resistência crítica. [19]
Nessa mesma linha corre a fala de Mário de Andrade sobre as obras de Annita no Salão de 31:
(...) Annita Malfatti também (está mal representada), embora apresente dois dos seus mais belos quadros da fase expressionista, O homem amarelo, e a Estudante russa. Duas obras admiráveis, porém já nossas conhecidas. O que a artista está fazendo de novo me inquieta, não consigo perceber bem ao que ela se destina com trabalhos de ordem tão diversa e transitórios como Puritas, Torrando café, e Natureza-morta. [20]
[13] Trecho da Entrevista de Alfredo Galvão (1900-1987) para o Projeto Portinari. Rio de Janeiro, 8 de dezembro de 1982.
[14] O ESTADO DE SÃO PAULO, São Paulo, 20 dezembro 1917. “Paranoia ou mistificação? A propósito da exposição de Malfatti”. Monteiro Lobato.
[15] ANDRADE, Mário de. O movimento modernista. In: Aspectos da literatura brasileira. São Paulo: Livraria Martins, s.d., p.232.
[16] DIÁRIO DA NOITE, São Paulo, 1 setembro 1931. “XXXVIII Exposição de Belas Artes”.
[17] DIÁRIO NACIONAL, São Paulo, 5 setembro 1931. O "Salão dos Tenentes", Manuel Bandeira.
[18] DIÁRIO NACIONAL, São Paulo, 5 setembro 1931. O "Salão dos Tenentes", Manuel Bandeira.
[19] DIÁRIO DA NOITE, São Paulo, 18 setembro 1931. "A XXXVIII Exposição de Belas-Artes ou o Primeiro Salão Revolucionário", Tina Canabrava.
[20] DIÁRIO NACIONAL, São Paulo, 13 setembro 1931, "O Salão", Mário de Andrade.
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