top of page
assinatura_squarespace_preta.png

O "Salão dos Tenentes" - Manuel Bandeira

  • Foto do escritor: Salão 31
    Salão 31
  • 2 de out. de 2023
  • 3 min de leitura
DIÁRIO NACIONAL, São Paulo, 5 setembro 1931

Assim já chamaram a 38ª Exposição Geral de Belas-Artes. Os tenentes da arte brasileira são os Portinari, os Gomide, os Di Cavalcanti. Há tenentas também: as Anita Malfatti, as Tarsila. E tenentes honorários: os estrangeiros Segall, Leo Putz, Maron, Gobbis...


O noticiarista que lançou a piada não faz lá muito boa ideia dos tenentes da revolução. E como não gosta também dos tenentes da arte, procura alimentar intriga atribuindo à comissão organizadora do "Salão" o propósito de colocar otimamente os modernos com prejuízo dos digamos generais da velha guarda, no dizer dele amontoados no velho "necrotério" da mocidade ao tempo de Batista da Costa...


Como diz parte da comissão, devo dizer aos paulistas que isso é mentira. A verdade é esta, que toda a gente pode verificar com os seus próprios olhos: por motivo da enorme abstenção dos grandes artistas que entre nós cultivam as artes de Raphael e Miguel Ângelo, ou melhor (sejamos patriotas!), de Pedro Américo e Correia Lima, tornou-se possível admitir no "Salão" tudo quanto foi remetido ao júri. A principal tarefa deste consistiu, uma vez adotado o ponto de vista de inteira liberdade, em separar e distribuir aquela massa de algumas centenas de trabalhos tão díspares, de modo a não sacrificar o bom ao mau. Desafogou-se o melhor, quer no setor dos tenentes, quer nos dos generais. Ninguém pode de boa-fé afirmar que os trabalhos dos professores Henrique Bernardelli e Carlos Oswald foram amontoados: então amontoados também foram os do professor Leo Putz, os de Ismael Nery, os de Correia de Araújo, classificados pelo noticiarista entre os tenentes. E seria realmente o cúmulo, se tivéssemos dispensado menor consideração aos dois únicos artistas de renome na velha guarda que se portaram com verdadeira nobreza, não acusando o menor despeito em face da orientação do diretor Lucio Costa, nem acreditando nas miseráveis mentiras com que os descontentes tentaram fazer fracassar a exposição.


Não fracassou a exposição, que, bem ao contrário, está despertando grande interesse, precisamente por tudo o que de escandaloso se esperava dela e não veio. Com efeito, as salas de tendências vanguardistas, longe de produzirem o escândalo já descontado, se caracterizam por um ar de tão calma apresentação, que até A boneca de Anita Malfatti parece sorrir ao Anjo zangado de Ismael Nery, e o mitológico Mem de Sá de Cícero Dias poderá passar como figura mural da nursery do menino Jesus da Fuga para o Egito de Brecheret.


É-me grato constatar que o sucesso do "Salão" contou com um elemento decisivo na contribuição paulista. Lucio Costa compreendeu desde o primeiro momento que em matéria de boa diretriz artística São Paulo é quase todo o Brasil. Foi de São Paulo que partiu o movimento moderno. Os maiores nomes vieram daí, e aí é que poetas, músicos, pintores e escultores dos outros Estados encontraram o ambiente em que foram mais bem compreendidos e definitivamente consagrados. A escolha de Anita Malfatti para o júri de admissão completou a feliz ideia do diretor da Escola de Belas-Artes. Se de São Paulo veio a renovação para todo o Brasil, foi por Anita que veio a renovação para São Paulo. Anita não só trouxe a sua valiosa contribuição pessoal, cinco quadros de várias épocas, como conseguiu, ajudada pelo casal Warchavchik, reunir um grupo de obras que por si sós salvariam o "Salão". Assim, pela primeira vez o público carioca teve ocasião de conhecer a força da própria Anita, de Brecheret, de Gobbis, de Warchavchik.


Evidentemente este "Salão" não apresenta a medida exata do que produzimos em artes plásticas. Mas sem sombra de dúvida nos representa com bastante fidelidade; ali estão todas as maneiras: não está o Sr. Bracet, mas está a maneira do Sr. Bracet; naquelas paisagens derivam de João Batista da Costa; bom dia, impressionismozinho de Visconti!


Um estrangeiro que via as exposições dos anos anteriores julgaria não haver mais nada. Era o tempo em que Portinari disfarçava o talento para poder disputar o prêmio de viagem...

Não creio que a arte dos tenentes vingue na Escola. A retirada do ministro Campos arrastará provavelmente a saída de Lucio Costa. Os generais voltarão ao trambolho da Avenida Rio Branco. Não faz mal: Lucio deixa um ponto luminoso na história daquela casa: reformou em bases decentes o curso de arquitetura e deu o exemplo de uma verdadeira exposição de artes plásticas. Pode descansar e voltar a fazer arquitetura de que o meu amigo José Marianno não gosta...

Comments


bottom of page