Lucio Marçal Ferreira Ribeiro de Lima e Costa
(Toulon, França 1902 – Rio de Janeiro, RJ, 1998). Arquiteto, urbanista, estudioso, teórico da arquitetura e conservador do patrimônio.
Obras apresentadas no Salão de 31:
CT 658 Residência do SR C. C. D.
CT 659 Residência do Sr. P. P. P. C.
CT 660 Residência do Sr. L. C.
CT 661 Casa de Apartamentos do Sr. L. C.


Comprovante de inscrição e devolução das obras de Lucio Costa apresentadas na 38ª Exposição Geral de Belas-Artes
Por convite do ministro Gustavo Capanema concebe (1935-1936) o projeto da nova sede do Ministério da Educação e Saúde – MES, no Centro do Rio de Janeiro, e opta por trabalhar conjuntamente com outros jovens arquitetos, como Affonso Eduardo Reidy (1909-1964) e Oscar Niemeyer (1907-2012), sob a coordenação de Le Corbusier (1887-1965). O prédio contou com paisagismo de Roberto Burle Marx, esculturas de Celso Antônio e outros artistas, e murais de Portinari.
Lucio Costa foi o principal responsável pela revolução no ensino das Artes, quando se tornou diretor da Escola Nacional de Belas-Artes (ENBA), e pela realização do Salão de 31. Por essas iniciativas sofreu forte oposição de diversos colegas.
Em artigo publicado no periódico O Jornal, Lucio Costa procura deixar claro o que pensa sobre arquitetura, diferentemente das concepções de seu antecessor na ENBA, o médico e crítico de arte, José Marianno Filho.
Admiro cada vez mais a arquitetura antiga e muito particularmente a nossa arquitetura antiga. As velhas casas e os velhos móveis do Brasil colonial me satisfazem e emocionam cada vez mais.
Não me canso de citar como exemplo a casa do Sr. R. G. de Siqueira no Largo do Boticário. Uma casa antiga reformada para receber móveis antigos. Não como museu, mas como casa. Obra honesta, obra pura, obra-prima.
Mas são exceções, casos à parte, um em mil, em dez mil. Casos individuais, mais ou menos sinceros, mais ou menos sentidos, que compreendo, respeito e admiro. Nada têm que ver com a verdadeira arquitetura, que atende não a casos individuais, mas à coletividade.
Foi Bahia e Recife, foram as velhas cidades de Minas que, aos poucos, me abriram os olhos e me fizeram compreender a verdadeira arquitetura, não futurista como o Sr. José Marianno diz (ele sabe perfeitamente que não se trata de futurismos), mas simplesmente contemporânea, em acordo com os nossos materiais e meios de realização, os nossos hábitos e costumes. Nada mais, apenas isso.
Estudando a nossa antiga arquitetura, não do ponto de vista de amador e diletante mais ou menos expansivo do Sr. Marianno, mas como profissional, analisando os sistemas construtivos absolutamente honestos em que a fisionomia arquitetônica reflete não mais ou menos, porém fielmente, exatamente a construção, em que tudo de fato é aquilo que parece ser, compreendi a infinita tolice dessa falsa arquitetura que, com uma grande dose de ridículo e romantismo, tendia a se popularizar.
Compreendi o absurdo em que estávamos, todos, arquitetos, engenheiros, construtores.
Todos nós, sem exceções, só temos feito pastiche, camelote, falsa arquitetura enfim, em todos os sentidos, tradicionalista ou não.
As nossas obras são amontoados de contradições sem o menor senso comum. Aplicamos dobradiças de mentira às portas e portões de nossas casas; fazemos caixões imitando vigas e os atarraxamos aos tetos das salas; fundimos colunas inteiriças, traçamos juntas simulando pedras e por fim as penduramos sem cerimônia às vigas de concreto previamente calculadas para receber-lhes o peso. Obrigamos cinicamente os carpinteiros a cavoucar a enxó as taboas chegadas da serraria para que pareçam desbastadas à mão e as arestas puras das barras de ferro laminado nós as fazemos martelar para que percam a perfeição. Mas, santo Deus! Que pretendiam os antigos senão a própria perfeição?
O Sr. José Marianno costuma citar como modelo da arquitetura falsamente por ele chamada tradicionalista, de acordo com os seus falsos ideais, o novo edifício da Escola Normal.
Os seus arquitetos são meus amigos, vítimas, como igualmente fui, de um erro inicial e me compreenderão.
A Escola Normal pode ser muito bem-composta, tudo o que quiserem menos arquitetura no verdadeiro sentido da expressão. A Escola Normal é simplesmente uma anomalia arquitetônica.
Uma escola é um problema atual. Temos ao nosso alcance meios verdadeiramente ideais para resolvê-lo econômica, higiênica e artisticamente: o que lá está é deplorável. E se considerarmos que sob aquele manto de alvenaria inútil se escondem as linhas perfeitas e puras de sua arquitetura, então é cem vezes deplorável!
Se um daqueles mestres antigos que o Sr. Marianno diz admirar mas parece não compreender, voltando por um milagre à terra, lhe houvesse acompanhado a construção, de certo teria ficado cheio de espanto assistindo a esta coisa para ele inédita e infelizmente tão comum para nós: depois de completamente pronta a estrutura de um edifício, envolver-se todo o seu primitivo contorno em quatro ou seis vezes mais espessura simulando arcos, pilastras e frontões. E os incansáveis arqueólogos futuros, pesquisando-lhes as ruínas poderão chegar a esta conclusão curiosa: Havia um povo antigamente que construía os seus edifícios e em seguida os revestia de inúmeras camadas de tijolos. Atribui-se a uma crença religiosa, etc.
Não há nada mais em desacordo com o verdadeiro espírito da nossa arquitetura colonial, que era verdade da cabeça aos pés, e o Sr. José Marianno sabe perfeitamente disso. (...) A vida em todo o mundo, tanto sob o ponto de vista material como moral, sofreu transformações mais radicais nestes últimos trinta anos do que nos três séculos que se seguiram ao descobrimento do Brasil. As afinidades que temos com os nossos contemporâneos de outras nacionalidades são muito mais acentuadas do que as que porventura tenhamos com os nossos antepassados coloniais, e a nossa vida de hoje, no seu todo e em seus pequenos detalhes quotidianos, difere muito mais da de nossos pais do que a destes diferia da dos seus tataravós. E essa mudança brusca de hábitos, costumes, ideias e sentimentos não pode deixar de se acusar na arquitetura, "transformando-a".
As extraordinárias facilidades de informações e comunicações rápidas (imprensa, aviação, cinema, rádio etc.) aboliram o isolamento em que viviam países e províncias. Não são fantasias, são fatos, e a arquitetura não pode deixar de os acusar, "desnacionalizando-se".
Os problemas de ordem econômica em tempo algum tiveram tamanha preponderância. O concreto armado é a construção mais perfeita e, apesar de todas as alfândegas a mais econômica. A arquitetura não o pode deixar de acusar, "simplificando-se".
A questão social nunca esteve tão em evidência. As diferentes classes tendem a uma aproximação cada vez mais marcada. Quase todo o mundo toma banho, a roupa do rico difere da do pobre pela qualidade e acabamento, não em suas linhas essenciais. Acusa-o a arquitetura, "uniformizando-se".
Por fim (único ponto em que as periódicas divagações do Sr. Marianno se justificam), embora os extraordinários aperfeiçoamentos da técnica de construir já tenham removido inúmeros obstáculos, a "constante mesológica" continuará para alegria do Sr. Marianno e para a minha própria alegria, a caracterizar os diversos tipos de arquitetura nas zonas tropical, temperada e fria.
Feia ou bonita, não importa, é nossa, é da nossa época (frase feliz do Sr. Marianno).
Cairemos na monotonia, na estandardização! Será a morte da Arte com A maiúsculo! exclamarão todos os pompiers da terra. E eu pergunto: a arte grega, que nós todos admiramos, a arte de Fídias, arte imortal, o que foi a arte grega senão uma pura e contínua estandardização? [37]
Foi esta a única razão que me levou a aceitar o convite para diretor da Escola de Belas-Artes: evitar que os nossos escultores e pintores continuassem imobilizados no seu modo de pensar e de ver.
Foi esta a única razão que me levou a aceitar o convite para diretor da Escola de Belas-Artes: evitar que os nossos escultores e pintores continuassem imobilizados no seu modo de pensar e de ver; evitar que os 450 futuros arquitetos que estudam na Escola, sofressem as consequências da má orientação que tive, fazer desses rapazes 450 verdadeiros arquitetos.
O cadete Lucio Costa, cada vez mais tradicionalista no bom sentido da palavra, lastima profundamente ter que discordar do seu superior hierárquico, o simpático coronel José Marianno Filho, e aconselha-o instantemente (embora não fique bem aconselhar adultos) a desistir do propósito de ficar sozinho pregando o seu evangelho no deserto, atitude excessivamente melodramática.
P.S. – Tendo aparecido em vários jornais alguns artigos do Sr. Cristiano das Neves, protestando contra a minha atuação na Escola de Belas-Artes, comunico ao meu quase-colega ter tido ocasião de ver vários trabalhos seus em São Paulo, razão por que as suas opiniões não têm para mim o menor interesse.
[36] Lúcio Costa. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2017. Disponível em: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa14559/lucio-costa. Acesso em: 08 de Dez. 2017. Verbete da Enciclopédia. ISBN: 978-85-7979-060-7
[37] O JORNAL, Rio de Janeiro, 31 de julho 1931. “Uma escola viva de belas artes”. Lucio Costa
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