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A Avenida Rio Branco e a efervescência artístico-cultural carioca

  • Foto do escritor: Salão 31
    Salão 31
  • 21 de mai. de 2023
  • 9 min de leitura

Atualizado: 26 de out. de 2023

Todos os bares e cafés da cidade ficavam aí. O Bar Nacional, o Bar do Palace Hotel, onde Manuel Bandeira fez um poema em que sou citado: “Rondó do Palace Hotel”. Você encontrava nesses bares pessoas como Di Cavalcanti, Manuel Bandeira, Murilo Mendes, Ismael Nery e tantos outros.


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Avenida Central. Foto Malta. Arquivo: Fundação Museu da Imagem e do Som - Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Cultura

Éramos (Cícero Dias e Di Cavalcanti) inseparáveis. Conversávamos muito sobre arte, as tendências modernas que surgiam na pintura do mundo. Bebíamos muito também; como éramos boêmios, costumávamos percorrer todas as noites aqueles bares e cafés da Avenida Central. O Café Simpatia, pertinho da Livraria José Olympio, o Café Belas Artes. Eram noitadas alegres que duravam até o raiar do sol. [32]


A Avenida Rio Branco abrigava instituições públicas, hotéis, bares, teatros, clubes e os maiores jornais do país. Esse conjunto constituía a alma da cidade. Edifícios magníficos como o Teatro Municipal, a Biblioteca Nacional e a Escola Nacional de Belas Artes se destacavam nesse cenário, assim como instituições públicas federais ou municipais. Outros prédios pertenciam a grupos privados ou entidades de classe, como o Liceu de Artes e Ofícios e a Associação de Empregados do Comércio.


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Legendas geolocalizadas do mapa

Instituições da Av. Rio Branco1 - Biblioteca Nacional2 - Teatro Municipal3 - Escola Nacional de Belas Artes (ENBA)4 - Liceu de Artes e Ofícios5 - Palace Hotel / Teatro Phenix / c - Bar do Palace6 - Hotel Avenida / Galeria Cruzeiro / d - Bar Nacional / e - Bar e Restaurante Brahma7 - Teatro Trianon8 - Associação dos Empregados do Comércio / k - Confeitaria Alvear9 - Policlínica Geral do Rio de Janeiro Locais da Boemia no entorno da Av. Rio Brancoa - Café Belas Artesb - Café Nicec - Bar do Palaced - Bar Nacionale - Bar e Restaurante Brahmaf - Café Chave de Ourog - Café Jeremias / Bar Nacionalh - Café Gaúchoi - Café Suíçoj - Café Universok - Confeitaria Alvearl - Confeitaria Colombom - Café Papagaio Outros locais próximosStudio NicolasStudio Eros VolusiaGaleria Jorge



A remodelação da Avenida Central, atual Av. Rio Branco, provocou mudanças na vida social das famílias. Se antes estavam confinadas em suas casas, agora tinham a opção de ir ao Centro para passear ou fazer refeições. Por outro lado, a profusão de locais de encontro favoreceu a circulação de artistas. Muitos dos bares, restaurantes e hotéis aqui citados abrigaram acaloradas discussões sobre os rumos do modernismo e foram palco de exposições de obras modernistas. Sempre que possível, procuramos destacar, aqui no Observatório, de que maneiras se conectaram aos movimentos e artistas modernistas.


No entanto, alguns locais da boemia relacionados à vida artístico-cultural do Rio de Janeiro nas primeiras três décadas do século XX (que antecedem o Salão de 31) ficaram sem essa informação específica, embora se saiba que os artistas e intelectuais também por ali circularam. Eis a lista de tais locais:

  1. Café Belas Artes

  2. Café Jeremias

  3. Café Suíço

  4. Café Universo

  5. Café Papagaio



Instituições da Av. Rio Branco



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Biblioteca Nacional

Projeto do francês Hector Pépin, construída de 1905 a 1910. É um dos edifícios-chave da remodelação urbana de Pereira Passos. O salão nobre da Biblioteca Nacional, “recinto vasto e suntuoso”, nas palavras de Celso Kelly [33], abrigou o Salão dos Artistas Brasileiros em 1929, com mais de 300 trabalhos e 120 expositores, muitos deles rejeitados pelo júri do Salão Oficial da ENBA.




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Escola Nacional de Belas Artes (ENBA)


Construída entre 1906 e 1908, a partir de projeto de Adolfo Morales de los Rios. O projeto original foi modificado possivelmente pelo escultor Rodolfo Bernardelli, que dirigia a Escola. A ENBA centralizava o ensino das artes no Rio de Janeiro e abrigava anualmente o salão oficial de artes plásticas.





Palace Hotel / Bar do Palace

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O Palace Hotel, com seus 172 quartos, foi considerado um luxo extravagante desde o seu nascimento, em 1910. De propriedade da família Guinle, ocupava os números 185 a 191 da Av. Rio Branco, esquina com a atual Av. Almirante Barroso. Em 1919, o Palace passou a ter celebridades hospedadas ou simplesmente circulando em seus salões e em seu famoso bar, o Bar do Palace. Tornou-se praxe que os presidentes eleitos ali se hospedassem até o dia de sua posse.



Foto 1: Salão nobre do Palace Hotel, exposição de Oswaldo Goeldi e Príncipe Gagarin, em 1927. Acervo Arquivo Solar Grand Jean de Montigny, PUC-Rio.

Foto 2: Inauguração da exposição de Lasar Segall no Palace Hotel, Rio de Janeiro, 07 de julho de 1928. Da esquerda para a direita, em pé: Dimitri Ismailovitch, Oswaldo Goeldi, não identificado, Emilio Pettoruti, Gregori Warchavchik, Sergio Buarque de Holanda, Manuel Bandeira, “Perqueno” e Ismael Nery; sentados: Eugênia Moreyra, Alvaro Moreyra, Guilerme Moura, Lasar Segall, Cicero Dias, Mary Houston e Genny Klabin Segall. Acervo Arquivo Fotográfico Lasar Segall / Museu Lasar Segall, IPHAN/MINC, São Paulo. Foto 3: Ismael Nery e Emilio Pettoruti na inauguração da exposição de Ismael no Palace Hotel, Rio de Janeiro, junho de 1929. Acervo Arquivo Solar Grand Jean de Montigny, PUC-Rio.

Foto 4: Inauguração da Exposição de Candido Portinari no Palace Hotel, Rio de Janeiro, 15 de maio de 1929. REVISTA DA SEMANA, 25 maio 1929, Fundação Biblioteca Nacional.

Foto 5: Capa do Catálogo da Exposição de Tarsila no Palace Hotel, Rio de Janeiro, 1929.


Os salões do Palace Hotel abrigaram diversas exposições que deram visibilidade a artistas novos e inovadores, desde 1923 até 1950, quando cerrou suas portas. As mais importantes exposições nos anos iniciais foram:


1923 Sílvia Meyer

1926 Salão dos Novos

1927 Oswaldo Goeldi e Gagarin, príncipe e pintor russo que estava no Rio desde 1921

1928 Lasar Segall

1929 Candido Portinari, que faria mais seis exposições anuais ali, de 1931 a 1936

1929 Ismael Nery

1929 Tarsila do Amaral

1929 Primeiro Salão dos Artistas Brasileiros

1930 Grande Exposition d’Art Moderne, com artistas da Escola de Paris trazidos por Vicente do Rego Monteiro e pelo poeta francês Géo-Charles: Dufy, Foujita, Léger, Lhote, Lurçat, Masson, Matisse, Miró, Picasso


No final de 1929, com a criação e oficialização da Associação dos Artistas Brasileiros (AAB), Octavio Guinle, então proprietário do Palace Hotel, passou a ceder, também devido à tenacidade de Celso Kelly, um de seus salões para os eventos da AAB até o final da vida do hotel.



Em 1936, Manuel Bandeira eternizou o Palace Hotel em um poema, O Rondó do Palace, que faz referências ao que acontecia no seu hall.

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Manuel Bandeira (1886 – 1968), poeta

Rondó do Palace – Manuel Bandeira, 1936 No hall do Palace o pintor Cícero Dias entre o Pão de Açúcar e um caixão de enterro (É um rei andrógino que enterraram?) Toca um jazz de pandeiro com a mão Que o Blaise Cendras perdeu na guerra. Deus do céu, que alucinação! Há uma criatura tão bonita Que até os olhos parecem nus: Nossa Senhora da Prostituição! “Garçom, cinco martinis!” Os Adolescentes cheiram éter No hall do Palace. Aqui ninguém dá atenção aos préstitos (passa um clangor de clubes lá fora): Aqui dança-se, canta-se, fala-se E bebe-se incessantemente Para aquecer a dor daquilo Por alguém que não está presente No hall do Palace.




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Teatro Trianon

Em seu hall, Vicente do Rego Monteiro expôs 70 desenhos e aquarelas com motivos indianistas. Já no palco desse teatro, o mesmo artista promoveu um espetáculo cenográfico, intitulado “Lendas, Crenças e Talismãs dos índios da Amazonas”. Para a ocasião, o poeta, político e admirador Ronald de Carvalho, sugeriu que o roteiro do espetáculo fosse musicado por Heitor Villa-Lobos. Mas, como o próprio Vicente disse, "viajei para a Europa sem me encontrar com o maestro e meu balé continuou letra morta." [34]


Foto do acervo do Centro Técnico Audiovisual-CTAv / Minc. Anos 30.




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Policlínica Geral do Rio de Janeiro

A Policlínica, de 1909 a 1938, localizou-se na Av. Central, defronte à Galeria Cruzeiro e ao Hotel Avenida. Seu hall, em 1928, abrigou a polêmica e memorável exposição de Cícero Dias durante o Congresso Mundial de Psiquiatria.




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PARA TODOS. 30 junho 1928, Fundação Biblioteca Nacional. Inauguração da exposição de Cícero Dias na Policlínica do Rio de Janeiro, 19 de junho de 1928.


Teatro Municipal

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Projeto de Francisco de Oliveira Passos, 1904. O prédio inclui escadaria monumental, mármores multicoloridos, painéis de azulejos e mosaicos, e pinturas no teto de Eliseu Visconti. Sediou, em 1922, a primeira transmissão radiofônica no país, com a ópera O Guarani, de Carlos Gomes, como parte da Exposição Internacional das Comemorações do Centenário da Independência do Brasil.



Liceu de Artes e Ofícios

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A importância do Liceu de Artes e Ofícios foi a primeira instituição a abrigar expressões artísticas inovadoras. Esse pioneirismo ocorreu no final de 1916, quando sediou o Primeiro Salão dos Humoristas em seu amplo prédio de três andares que ocupava o quarteirão em que hoje em dia se encontra a Caixa Econômica Federal.


Também foi o Liceu que acolheu os Salões da Primavera, destinados a dar visibilidade a artistas que queriam romper com o academicismo do salão oficial da Escola Nacional de Belas Artes. O primeiro Salão da Primavera ocorreu em maio de 1923 e foi seguido de outros dois, nos dois anos subsequentes.


Em 1924, foi a vez de o Liceu abrir as portas para a Primeira Exposição de Arte e Artesanato Alemão, organizada por Theodor Heuberger.



Hotel Avenida / Galeria Cruzeiro

Inaugurado em 1908, o Hotel Avenida localizava-se sobre a Galeria Cruzeiro, em quarteirão povoado por bares e restaurantes, e tinha a particularidade de ser o único hotel da época com elevadores. Esse local era também o ponto final dos bondes da Companhia Ferro-Carril que faziam o circuito centro-zona sul. Com esse entorno, não é de se espantar que tenha sido um local muito movimentado, com participação ativa na vida cultural da cidade.


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Carlos Drummond de Andrade (1902 – 1987), poeta

O Bar e Restaurante Brahma (na Av. Rio Branco, 152) e o Bar Nacional (nos fundos do Hotel Avenida, na esquina com a Rua Santo Antônio) são alguns dos estabelecimentos que funcionavam nesse entorno. Ambos estão citados no poema Boêmia, de Drummond.



Boêmia – Carlos Drummond de Andrade [35]


No Bar Nacional

No Bar do Palace

Na Brahma

No Lamas

Na Americana

No restaurante Reis

Na casa inconfessável da Rua Riachuelo

O poeta ensaia uma boêmia contemplativa

Da boêmia dos outros.



Leny Eversong - ADEUS GALERIA CRUZEIRO - Edel Ney e Aires Viana. Gravação de 1957.



Associação dos Empregados do Comércio / Confeitaria Alvear

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O prédio da Associação, com projeto de Adolpho Morales de los Rios, foi inaugurado em 1909. O saguão localizado no andar térreo era utilizado para exposições, por empenho de Theodor Heuberger. Em 1925, ele criou, no fundo do saguão, a Galeria Heuberger, dedicada a intensificar o intercâmbio entre Brasil e Alemanha.


Também no térreo, encontrava-se a famosa Confeitaria Alvear, frequentada principalmente por mulheres, que ali iam tomar sorvetes ou o chá da tarde.



Teatro Phenix

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Teatro Phenix. Foto: Malta

O Teatro Phenix, que dava frente para a Rua Barão de São Gonçalo, promoveu eventos integrados com outros, como, por exemplo: paralelamente ao Primeiro Salão dos Humoristas (1916), abrigou o “ato musical humorista”, a “interpretação de caricaturas desenhadas” e a “matinée dos humoristas”.








Locais da Boemia da Av. Rio Branco


Café Nice

O Café Nice reunia, na primeira metade do século XX, a boemia carioca e foi palco de muitos acontecimentos no meio artístico e objeto de várias referências culturais. Situava-se no número 174A. Fundado em 18 de agosto de 1928, com auge na década de 30 e fechado em meados da década de 50, seguia os moldes parisienses, que inspirou o seu nome francês, Nice.

Possuía três ambientes: no exterior, composto por mesas e cadeiras de vime; já a parte de dentro era formada por dois ambientes distintos: um mais seleto para os clientes que tomariam chá ou bebidas finas e lanches, e uma outra mais simples onde se tomava café com leite e pão na manteiga, bebidas baratas e o café propriamente. [36]



Café Gaúcho

Aqui no Rio começou com um grupinho, mais ou menos em 1918-1919, antes que em São Paulo. A turma se reunia no Café Gaúcho (esquina da rua São José com Rodrigo Silva) discutindo arte, a casmurrice do meio, o que se poderia fazer para melhorar isso. Dali surgiu a ideia de fazer um Salão independente do Salão Oficial. Dali saiu o 1º Salão da Primavera, com tendência mais aberta, sem júri (...) [37]



Confeitaria Colombo

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Fundada em 1894, na Rua Gonçalves Dias, 32, onde existe até a presente data, concorria com a Confeitaria Alvear na preferência das famílias por um sorvete ou chá da tarde.



Café Chave de Ouro

Localizado em frente à Galeria Cruzeiro. Danilo Gomes traça um retrato vivo do que se passava nesse Café e relata que literatos e artistas mantinham boas relações:

eu e meu velho e querido Cornélio Penna (ali) nos encontrávamos e falávamos mal dos nossos amigos e inimigos literatos – pois outros não tínhamos então – e às vezes engrossávamos também uma roda de artistas plásticos, alguns professores do Liceu de Artes e Ofícios, quase todos esquecidos... [38]




Outros locais da Av. Rio Branco


Studio Nicolas

Funcionava na Rua Alcindo Guanabara 5, 2° andar, Centro. Pertencia a Nicolas Alagemovitz, fotógrafo de muito talento. Sediou, entre outras, a 3ª Exposição individual de Ismael Nery, inaugurada em 30 de junho de 1930. A mostra incluía cerca de 100 desenhos, produzidos a partir de 1926. Mais tarde, na década de 1930, o Studio abrigou o Núcleo Bernardelli, grupo liderado por Edson Motta e fundado oficialmente em junho de 1931.


Studio Eros Volusia

Funcionou na Rua S. José, 87, sobreloja. Heros Volusia Machado (Rio de Janeiro, 1 de junho de 1914 – 1 de janeiro de 2004) foi uma dançarina brasileira que se projetou internacionalmente por meio de coreografias inspiradas na cultura brasileira.


Galeria Jorge

Fundada em 1908 por Jorge de Souza Freitas e localizada à Rua do Rosário, 131, a Galeria Jorge notabilizou-se por promover exposições dos artistas que concorriam aos salões oficiais e a premiá-los. Aos 20 anos de idade, Candido Portinari foi o ganhador do prêmio da Galeria Jorge, em 1923.


Nesse tempo só havia uma galeria, a Galeria Jorge; era na rua do Ouvidor, quase esquina da Avenida. Lá era uma galeria particular; expunham os amigos dele ou então artistas notáveis, como o Amoedo, o Batista da Costa. [39]



[31] AMARAL, Aracy Abreu. Tarsila: sua obra e seu tempo. São Paulo: Perspectiva, 1975, p. 272.

[32] Cícero Dias. Anos 20. Rio de Janeiro, Editora Index, 1993, p. 22.

[33] Carta de Celso Kelly a Portinari que se encontrava em Paris. Rio de Janeiro, 6 novembro 1929.

[34] Zanini, Walter, 1925-2013. Vicente do Rego Monteiro: 1899-1970/ Walter Zanini. São Paulo: Empresa das Artes: Marigo Editora, 1997, p. 99.

[35] Bandeira, a vida inteira. Mosaico de Manuel Bandeira e 21 poemas de Carlos Drummond de Andrade, Rio de Janeiro, Editora Alumbramento/Instituto Nacional do Livro, 1986, p. 16.

[36] O DIA, 6 fevereiro 2015. “Uma noite no Café Nice”. Bernardo Argento.

[37] Trecho da Entrevista do Professor José Maria Dos Reis Júnior (1903–1985) para a Pesquisa Guignard. Rio de Janeiro, 28 de agosto de 1982.

[38] GOMES, Danilo. Antigos Cafés do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Livraria Kosmos Editora, 1989, p. 117. Apud CAVALCANTI, Lauro, Org. Quando o Brasil era moderno. Artes Plásticas no Rio de Janeiro 1905-1960. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2001, p. 91.

[39] Trecho da entrevista de Alfredo Galvão (1900-1987) para o Projeto Portinari. Rio de Janeiro, 8 de dezembro de 1982.

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