Fundação da Associação de Artistas Brasileiros
- Salão 31

- 21 de mar. de 2023
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Atualizado: 26 de out. de 2023
Em 1929 é fundada a Associação de Artistas Brasileiros, sociedade composta de artistas e intelectuais ligados à arte. Sua existência foi determinada em consequência do sucesso obtido pelo Salão de Artistas Brasileiros, uma mostra livre de arte organizada por Celso Kelly [44], contando com o apoio do ministro da Justiça e de toda a imprensa. A exposição teve lugar no Salão nobre da Biblioteca Nacional. Esses fatos foram gerados como reação ao "clima de conchavos" [45] que envolveu a organização do Salão da Escola de Belas-Artes naquele ano, quando o júri rejeitou mais de 200 trabalhos, índice inédito até então.
A efervescência desses acontecimentos é narrada por Celso Kelly em carta a Portinari:
Fiz este ano, com a Escola, um combate sem tréguas, apenas muito elevado e elegante, sem dar motivos aos de lá que se investissem contra mim, com fundamento. Quando v. partiu, já estava escolhida a chapa do júri: o Guttman e um outro que se submetesse a ele – indicado finalmente o Thimotheo. Nessas condições, dada a velha quesicha que tenho com o Guttman, fiquei certo de que por dignidade, deveria insurgir-me contra a dupla. E, no dia da eleição, quando ninguém contava com surpresas, fiz um discurso, violento e forte, contra o sistema de conchavos, baseados em troca de prêmios, de que resultava a vitória das chapas organizadas em cafés e casas de tinta da rua de S. José. O alalá impressionou. Propus, acabando, o nome do Navarro da Costa, de quem – você sabe – sou muito amigo. (Ele, aliás, também, admira muitíssimo você.) O Navarro teve quinze votos que desfalcaram a votação do Guttman e, se não impediram a vitória deste, tiraram-lhe a unanimidade com que ele contava cegamente para satisfazer suas vaidades. Daí para diante, é fácil de prever o que se passaria comigo. Mantive toda discrição no caso e aguardei, com indiferença, o júri. No julgamento, cortavam-me sumariamente, sem olhar, sequer, o trabalho. Era a vingança, digo assim, pois v. conhece muito bem o que eu mandei e era, sem favor, superior aos envios anteriores. Tive, por essa ocasião, grandes provas de simpatia. A imprensa se ofereceu para publicar o que eu escrevesse contra a Escola. Conservei-me, todavia, calmo, para não parecer despeitado.

Sucede, entretanto, que o júri rejeitou mais de duzentos trabalhos, coeficiente nunca visto nas seleções anteriores. O fato causou uma repulsa geral, porque, entre os recusados, figurava gente boa, inclusive concorrentes ao prêmio de viagem. Essa gente me assediou para fazer um salão. Contando com o apoio deles, com os oferecimentos dos jornais e com a solidariedade da maioria dos expositores, entre eles, o Oswaldo, o Navarro, o Pedro Bruno, a Georgina, o Constantino, o Jordão, o Cozzo, o Faria, o Jerry, o Paes Leme, o Gagarin, além de elementos estranhos à Escola como D. Regina Veiga – não tive dúvida em organizar uma exposição, que não seria de revanche, porque isso não era elegante, mas uma mostra livre de arte. Encontrei, para isso, o apoio do ministro da Justiça que me cedeu o salão nobre da Biblioteca Nacional, um vasto recinto, suntuoso e mais ou menos adequado.
Aí se realizou o Salão dos Artistas Brasileiros, que causou um grande sucesso. Os jornais, que quase nada disseram da exposição da Escola, falavam, longa e diariamente, no nosso. Páginas inteiras lhe foram consagradas. Reunimos mais de 300 trabalhos e 120 expositores. Esses fatos e o apoio oficial, não só do ministro como do próprio Corrêa Lima, provocaram indignação na corja da Escola. Foi a melhor resposta que eu poderia dar àquela cambada de caráter tão baixo. (...)
Encerrado o Salão, fundamos a Associação dos Artistas Brasileiros, composta de pintores, escultores, arquitetos, poetas, escritores, músicos, jornalistas, autores e atores de teatro, ilustradores e quantos tenham ligação direta ou indireta com arte. (...) Tudo corre otimamente. Fizeram-me o secretário-geral da Sociedade. Desejava que v. me escrevesse uma carta, em separado, declarando sua simpatia e adesão à Associação, que não visa, de forma alguma, hostilizar a Escola. Por isso mesmo, está na direção o Antonino, que é do Conselho Superior, e está, no corpo técnico, o Flexa [46], que é professor da Escola. [47]
Essa sequência de eventos isolados demonstra não só a evolução do processo de pesquisas modernas em andamento, como também comprova o clima de efervescência que prepara o caminho para as transformações que ocorreriam dentro da Escola de Belas-Artes.
[44] Celso Kelly (1906-1979) foi um pintor e crítico de arte. Posteriormente à sua atuação junto aos modernistas, foi professor na Faculdade Nacional de Filosofia e presidiu a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), entre 1964 e 1966.
[45] KELLY, Celso. Carta a Cândido Portinari. Rio de Janeiro, 6 nov. 1929.
[46] José Flexa Ribeiro (1884-1971), foi professor de História da Arte da Escola Nacional de Belas Artes desde 1918, na qual entrou por concurso, com a tese “Rubens e os Flamengos”, e lá permaneceu até 1952, tendo sido seu diretor nos quatro últimos anos de sua permanência naquela instituição.
[47] KELLY, Celso. Carta a Cândido Portinari. Rio de Janeiro, 6 nov. 1929.



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