Atuação dos Artistas Modernos no Rio de Janeiro
- Salão 31

- 21 de jun. de 2023
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Atualizado: 26 de out. de 2023
Di Cavalcanti, autodidata carioca de espírito inquieto e rebelde, a ponto de não ter recebido ensino acadêmico, participa em 1916 do I Salão de Humoristas no Liceu de Artes e Ofícios no Rio de Janeiro, organizado por Olegário Mariano e Luiz Peixoto. Inaugurado em 14 de novembro, esse Salão apresentou mais de 500 trabalhos dos grandes artistas da caricatura daquela época.

Por volta de 1920, Di Cavalcanti frequenta encontros com intelectuais como Oswald de Andrade, que, desde 1913, se interessa pelos problemas estéticos em debate na Europa. Desse contato foi se desenvolvendo lentamente a ideia de renovar a arte brasileira, o que culminou na Semana de Arte Moderna de 22 em São Paulo, da qual participou não apenas como expositor, mas também como um dos principais articuladores. Depois da Semana, parte para Paris com o objetivo de estudar e especular as novas tendências artísticas. Voltando da Europa em 1925, permanece entre Rio e São Paulo como elemento de ligação, acompanhando as atividades ligadas à arte e à política.
Outra figura atuante nos meios cariocas foi o paraense Ismael Nery de espírito insubordinado e sensível a todas as tendências modernas, que se estabelece no Rio de Janeiro depois de ter mantido diversos contatos com as últimas correntes europeias, e absorvido suas influências. Passando pelo cubismo e expressionismo, conhece os surrealistas em 1927 por ocasião de sua última viagem à Europa, sofrendo forte influência de Chagall que chega a conhecer pessoalmente.

Em 1929, Ismael Nery expõe no Palace Hotel no Rio de Janeiro, ocasião que desperta interesse por parte de intelectuais e o entusiasmo de Graça Aranha. Já em 1928, Mario de Andrade lhe dedicava colunas no Diário Nacional de São Paulo, e logo a seguir Manuel Bandeira elogia suas obras. Em 1930, expõe no Salão Nicolas também no Rio de Janeiro, onde apresenta 100 desenhos de diversas fases.
É de se destacar sua amizade com Murilo Mendes que lhe dedica uma série de artigos publicados no Suplemento Literário Letras e Artes, através dos quais tenta revelar a sua intrigante personalidade.
No Nordeste, o movimento modernista se desenvolvia com características peculiares, no que se refere ao contato direto com o estrangeiro – desde Maurício de Nassau – e à busca do sentimento e expressão brasileiros calcados no gosto popular; este já contava, no entanto, antes da década de 1920, com manifestações isoladas. De formação francesa, o pernambucano Vicente do Rego Monteiro (1889–1970) retorna ao Brasil em 1917, quando expõe em Recife e, a partir de 1920, realiza novas mostras. No Rio, expôs 70 aquarelas e desenhos com temas indianistas baseados em lendas amazônicas e arte marajoara, no hall do Teatro Trianon, em 1921, em frente ao Liceu de Artes e Ofícios. As obras de inspiração amazônica pertencem à coleção de Mário de Andrade – Instituto de Estudos Brasileiros, IEB, USP.
Antes de retornar à capital francesa, em setembro de 1922, o artista deixou com o amigo e admirador Ronald de Carvalho, os óleos e aquarelas que seriam expostas na Semana de Arte Moderna, de 1922, em São Paulo. Uma dessas pinturas foi O Retrato de Ronald de Carvalho (1921). Vicente também se notabilizou por pintar obras cubistas, como a Mulher Diante do Espelho.
Gilberto Freyre [26] acentua a importância de Pernambuco no desenvolvimento do processo modernista:

Seria inútil pretender-se apagar a presença do Recife nos movimentos de renovação de cultura – inclusive da arte – que marcou no Brasil, a década de 20. Não teve o brilho da presença paulista, nem houve aqui um Graça Aranha, já glorioso ao tornar-se modernista. Nem por isso deixou de partir do Recife, naqueles dias todo um vigoroso ímpeto de renovação ou de modernização das letras, dos estudos e das artes nacionais. Nas artes plásticas – pintura e escultura – houve um pioneiro magnífico saído do Recife e formado em Paris: Vicente do Rego Monteiro […] Nenhum artista dentre os que, historicamente, pertencem à famosa Semana de 22 é mais merecedor de admiração do que esse recifense-parisiense a quem nunca faltou o sentimento pan-brasileiro. [27]
Em fins de 1922, Joaquim Inojosa, então jovem estudante de Recife, vai a São Paulo para participar das comemorações do Centenário da Independência e estabelece contato com os modernistas de São Paulo, tornando-se, a partir de então, o grande divulgador das ideias no Nordeste. Afirma ele que
foi ainda aqui no Rio, em 1924, com a Conferência de Graça Aranha sobre o Espírito Moderno, na Academia de Letras, que o Modernismo se espalhou pelo Brasil inteiro [...] Temos que reconhecer que aquele discurso deu maior ênfase à campanha modernista nos Estados. [28]
Nessa época, o jovem pernambucano Cícero Dias (1907–2003) vem para o Rio. Em 1925 ingressa na Escola de Belas-Artes para cursar arquitetura, que abandona a fim de se dedicar à pintura. Apesar de nunca ter mantido contato com o meio artístico europeu, já revelava, em 1927, uma pintura impregnada de atmosfera onírica ligada ao regional. O artista estimula o ambiente inquietante e ávido por transformações e expõe, depois de vencer grandes dificuldades, em 1928, no Salão da Policlínica – no mesmo local onde se realizava um Congresso de Psiquiatria Mundial. Em 1930, organiza o Congresso Afro-brasileiro de Recife, e participa do Movimento Regionalista do Nordeste.
O relato de Cícero Dias narra as dificuldades que os modernistas enfrentavam para expor suas obras no Rio de Janeiro:

Minha primeira exposição foi em 28. [...] Eu tive a maior dificuldade de expor no Rio, o Di Cavalcanti quando expôs em 26, havia no Rio de Janeiro uma galeria chamada Jorge, de quadros inteiramente pompiers [...] então havia um salão que era no Palace Hotel, na avenida Rio Branco [...] eu tive muita dificuldade de expor no Palace Hotel e aí José Mariano Filho me propôs, foi uma coisa curiosa, porque ele com tendências de colonial, foi um homem sempre aberto. Ele era contra tudo o que eu fazia, era contra a minha pintura e eu disse a ele que estava com dificuldades. Fui procurar o Graça, e o Graça me disse que eu fosse, com uma carta dele, procurar o Moura Brasil, que havia um salão da Policlínica defronte da Galeria Cruzeiro [...] Não encontrava o Moura Brasil [...], aí o Graça conhecia muito bem o Juliano Moreira, psiquiatra muito importante, e fui procurar Juliano Moreira lá no hospital, mostrei o desenho e ele me disse: ‘– Está muito bem porque lá no hospício está havendo um congresso de Psiquiatria Mundial...’
(...) Foi um escândalo... até consegui vender quadros. O público não aceitava aquilo de maneira nenhuma, só professores alemães, franceses, estrangeiros que naturalmente já estavam senhores de tudo aquilo. [29]
Oswaldo Goeldi retorna ao Brasil com 24 anos e instala-se no Rio de Janeiro. Passou os anos de formação básica na Suíça, tendo recebido forte influência de Alfred Kubin e do expressionismo alemão. Mantém-se único, não só pela atitude solitária que assumiu de acordo com seu temperamento, como pela técnica adotada como meio de expressão – a gravura. Expõe em 1921, no Liceu de Artes e Ofícios. Partidário de que "o caminho da vida é o individualismo" [30] , Goeldise mantém fiel à sua formação, aperfeiçoando, cada vez mais, seu meio de expressão artística e tornando-se o principal representante do expressionismo na arte moderna brasileira.


De julho de 1928 ao mês de maio de 1929, o Palace Hotel também recebeu as exposições de Lasar Segall e Candido Portinari. De marcada formação européia, Alberto da Veiga Guignard volta definitivamente ao Brasil, em 1929, ávido por aplicar os conhecimentos recebidos na Real Academia de Belas-Artes de Munique. Assim como Goeldi, sofre forte impacto com o tímido ambiente artístico do Rio de Janeiro. Depois de ter participado de Salões dos Independentes em Paris, e da Bienal de Veneza, tem que se adaptar à nova realidade. Afirma sua presença entre os modernos pela participação em salões e exposições na Pró-Arte.



Tarsila do Amaral realiza sua primeira exposição individual no Brasil, de 20 a 30 de julho de 1929, exatamente no Rio de Janeiro, no Salão do Palace Hotel na Avenida Rio Branco. Foram exibidas 34 telas abrangendo sua produção de 1923 a 1929, correspondente às fases pau-brasil e antropofágica.
Segundo Aracy Amaral,
Para Tarsila essa exposição [...] é uma aguardada apresentação total, no Brasil, de seu rendimento como artista já apreciada em Paris. [31]
Isso acontece justamente no Rio de Janeiro, causando sensação, pois é incontestável sua importância exótica, vistas as críticas de suas exposições parisienses anteriores, contidas em seu catálogo.
[26] Gilberto Freyre (1900-1987) foi um sociólogo, historiador e ensaísta pernambucano, autor do famoso livro Casa Grande & Senzala.
[27] FREYRE, Gilberto. Um grande pintor brasileiro. Diário de Pernambuco, Recife, 22 jun. 1969.
[28] INOJOSA, Joaquim. Movimento modernista em Pernambuco. In: AMARAL, Aracy Abreu. Tarsila: sua obra e seu tempo. São Paulo: Perspectiva, 1975, p. 49.
[29] Trecho da Entrevista de Cícero Dias (1907–2003) para o Professor Carlos Zilio. Rio de Janeiro, 7 de novembro de 1981.
[30] Entrevista de Goeldi a Ana Letícia. In: OSWALDO Goeldi. Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica, 1980, p. 116. Catálogo.
[31] AMARAL, Aracy Abreu. Tarsila: sua obra e seu tempo. São Paulo: Perspectiva, 1975, p. 272.








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